| 3 junho, 2020 - 14:54

Prestação de contas e dívidas alimentares: um novo entendimento do STJ?

 

O Código de Processo Civil de 1973 previa nos seus arts. 914 a 919, a ação de prestação de contas

Por Rodrigo Leite

O Código de Processo Civil de 1973 previa nos seus arts. 914 a 919, a ação de prestação de contas. Tratava-se de um procedimento dual, voltado para quem tinha o direito de exigi-las e a obrigação de prestá-las. No CPC/2015, nos arts. 550 a 553 existe a previsão da ação de exigir contas, ação que pode ser movida por “aquele que afirmar ser titular do direito de exigir contas”. Houve uma conversão e, segundo Cassio Scarpinella Bueno (Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: 2016, p. 490) uma redução no objeto do procedimento.

De fato, no CPC/73 a ação era voltada a prestar e a exigir contas, enquanto que no CPC/2015, não há previsão de ação para dar/prestar contas, apenas a ação de exigir contas. Para Daniel Amorim Assumpção Neves (Novo CPC: inovações, alterações e supressões comentadas. São Paulo: Método, 2016, p. 369) , “com a abolição pelo NCPC da ação de dar contas, não há mais a duplicidade na legitimação, sendo sempre legitimado ativo o sujeito que o direito de receber as contas e o legitimado passivo, o sujeito que tem o dever de prestá-las.”

No campo do Direito das Famílias, sempre existiu uma celeuma em saber se essa ação poderia ser manejada nos processos envolvendo prestação alimentícia.

A jurisprudência do STJ considera que a ação de prestação de contas tem a finalidade de declarar a existência de um crédito ou débito entre as partes. Assim, nas ações de alimentos, devido a sua característica de irrepetibilidade, a posição clássica do Tribunal é não admitir seu processamento por falta de interesse do requerente – ver nesse sentido REsp 970.147/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 04/09/2012, DJe 16/10/2012).

Entende-se, tradicionalmente, que “nas obrigações alimentares, não há saldo a ser apurado em favor do alimentante, porquanto, cumprida a obrigação, não há repetição de valores.”

Desse modo,

“A ação de prestação de contas proposta pelo alimentante é via inadequada para fiscalização do uso de recursos transmitidos ao alimentando por não gerar crédito em seu favor e não representar utilidade jurídica. O alimentante não possui interesse processual em exigir contas da detentora da guarda do alimentando porque, uma vez cumprida a obrigação, a verba não mais compõe o seu patrimônio, remanescendo a possibilidade de discussão do montante em juízo com ampla instrução probatória.” (REsp 1637378/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/02/2019, DJe 06/03/2019).

Para o STJ, então, não era viável o manejo de ação de prestar ou exigir contas nos processos de alimentos, pois “o alimentante não detém interesse de agir quanto a pedido de prestação de contas formulado em face da mãe do alimentando, filho de ambos, sendo irrelevante, a esse fim, que a ação tenha sido proposta com base no art. 1.589 do Código Civil, uma vez que esse dispositivo autoriza a possibilidade de o genitor que não detém a guarda do filho fiscalizar a sua manutenção e educação, sem, contudo, permitir a sua ingerência na forma como os alimentos prestados são administrados pela genitora.” (AgRg no REsp 1378928/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 13/08/2013, DJe 06/09/2013).

Sempre guardei reservas a esse entendimento, porque considero que a administração, o cuidado e o zelo – que deve ser predominantemente afetivo, sabemos – perpassa também pelos aspectos de manutenção financeira dos alimentandos. Tal cuidado é mútuo entre os pais, e qualquer deles, sobretudo o que arca com alimentos, pode exigir do outro, na minha visão, o que está (estava) sendo realizado com os recursos que paga, pois, na prática, sabemos, que há desvirtuamentos. Não pode pleitear a devolução do que pagou, mas pode realizar pedido simples de prestação de contas. De fato, não é incomum que recursos destinados ao(s) filho(s) não sejam revertidos, concretamente ao proveito deles. Esse esclarecimento ou essa informação é, a meu ver, concretização dos deveres de cooperação, lealdade e boa-fé e deve ser prestada.

Recentemente, porém, em 26 de maio de 2020, um novo olhar sobre o tema surgiu quando a Terceira Turma, julgando o REsp 1.814.639/RS, revolveu promover uma mudança na tradicional posição do STJ sobre o tema.

Nessa nova decisão, considerou-se ser possível determinar a prestação de contas para fiscalização de pensão alimentícia, pois a guarda unilateral pela mãe do menor obriga o pai a supervisionar os interesses dos filhos, sendo ele parte legítima para solicitar informações. Ponderou-se, a meu sentir, acertadamente, que “um pai [raciocínio que também se aplica à mãe] tem o direito de saber se o filho está tendo o devido atendimento.”

Com a decisão, obrigou-se a mãe de uma criança a apresentar contas ao pai, demonstrando como utiliza o valor pago da pensão alimentícia. O tema, porém, contou com resultado apertado: 3 (Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Marco Bellizze) a 2 (Paulo de Tarso Sanseverino, relator originário, e Villas Bôas Cueva).

Segundo a maioria, “a partir do resultado da prestação de contas, inúmeros resultados podem surgir, todos em benefício do menor. Inclusive poderá fundamentar pedido de revisão de alimentos, ação de pedido de guarda, destituição de poder familiar ou reparação por danos materiais ou morais.”

Para a Ministra Nancy Andrighi, o pedido do pai na inicial não teve qualquer requerimento de reconhecimento de existência de crédito — um dos entraves para reconhecer a prestação de contas – já que as prestações já pagas são irrepetíveis, mas apenas o de verificar como os gastos estão sendo realizados.

A Turma entendeu que o pedido de prestação de contas é bifásico — reúne obrigação de fazer, prestar contas na primeira fase, depois na segunda fase uma condenação. Se o pedido do autor for de simples prestação das contas, seguindo o procedimento comum, não o especial, de prestação e condenação, é cabível a ação, entendeu a Turma.

Aplicou-se, no caso concreto, o art. 1583, § 5º, do Código Civil, segundo o qual,

“§ 5º  A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.”

O dispositivo institui responsabilidade de supervisão ao genitor que não detém a guarda. Por isso, “sempre será parte legítima para solicitar informações ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos”.

A nova posição da Terceira Turma reacende o tema e abre divergência com posição tradicional da Quarta Turma e com precedente dela própria no REsp 1637378/DF, julgado em 19/02/2019.

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Rodrigo Leite

Autor e coautor de 4 livros jurídicos (Juspodivm e Saraiva)

Mestre em Direito Constitucional

Assessor de Desembargador do TJRN

Professor da Pós On-line de Civil da Rede Kroton-LFG

Conteudista dos sites justicapotiguar.com.br (RN), novodireitocivil.com.br (BA), meusitejuridico.com.br (SP) e supremotv.com.br (MG).


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